Himeneu foi convocado para abençoar com sua presença o casamento de Orfeu e Eurídice, mas, embora tivesse comparecido, não levou consigo augúrios favoráveis. Sua própria tocha fumegou, fazendo lacrimejar os olhos dos noivos. Coincidindo com tais prognósticos, Eurídice, pouco depois do casamento, quando passeava com as ninfas, foi vista pelo pastor Aristeu, que, fascinado por sua beleza, tentou conquistá-la. Ela fugiu e, na fuga, pisou em uma cobra, foi mordida no pé e morreu. Orfeu cantou o seu pesar para todos quantos respiram na atmosfera superior, deuses e homens, e, nada conseguindo, resolveu procurar a esposa na região dos mortos. Desceu por uma gruta situada ao lado do promotório do Tenaro e chegou ao reino do Estige, atravessando o lago na barca guiada por Caronte. Passando através de multidões de fantasmas, apresentou-se diante do trono de Plutão e Prosérpina e acompanhado pela lira, cantou:
"Ó divindades do mundo inferior, para o qual todos nós que vivemos teremos que vir, ouvi minhas palavras, pois são verdadeiras. Não venho para espionar os segredos do Tártaro, nem para tentar experimentar minha força contra o cão de três cabeças que guarda a entrada. Venho à procura de minha esposa, a cuja mocidade o dente de uma venenosa víbora pôs fim prematuro. O Amor aqui me trouxe, o Amor, um deus todo-poderoso entre nós, que mora na Terra e, se as velhas tradições dizem a verdade, também mora aqui. Imploro-vos: uni de novo os fios da vida de Eurídice.
Nós todos somos destinados a vós, por essas abóbadas cheias de terror, por estes reinos de silêncio, e, mais cedo ou mais tarde, passaremos ao vosso domínio. Também ela, quando tiver cumprido o termo de sua vida, será devidamente vossa. Até então, porém, deixai-a comigo, eu vos imploro. Se recusardes, não poderei voltar sozinho; triunfareis com a morte de nós dois.
Enquanto cantava estas ternas palavras, os próprios fantasmas derramavam lágrimas. Tântalo, apesar da sede, parou, por um momento seus esforços para conseguir água, a roda de Íxon ficou imóvel, o abutre cessou de despedaçar o fígado de Prometeu, as filhas de Danao descansaram do trabalho de carregar água em uma peneira e Sísifo sentou-se em seu rochedo para escutar. Então, pela primeira vez, segundo se diz, as faces da Fúrias umedeceram-se de lágrimas, Prosérpina não pôde resistir, e o próprio Hades cedeu. Eurícide foi chamada, e saiu do meio dos fantasmas, recém-vindos, coxeando, devido à ferida no pé. Orfeu teve a permissão de levá-la consigo, com uma condição: a de que não se voltaria para olhá-la, enquanto não tivessem chegado à atmosfera superior. Nessas condições, os dois saíram, Orfeu caminhando na frente e Eurídice, atrás, através de passagens escuras e íngremes, num silêncio absoluto, até quase atingirem as risonhas regiões do mundo superior, quando Orfeu, num momento de esquecimento, para certificar-se de que Eurídice o estava seguindo, olhou para trás, e Eurídice foi, então, arrebatada. Estendendo os braços, para se abraçarem, os dois apenas abraçaram o ar! Morrendo pela segunda vez, Eurídice não podia recriminar o marido, pois como haveria de censurar sua impaciência em vê-la?
- Adeus! - exclamou - Um último adeus!
E foi afastada, tão depressa, que o som mal chegou aos ouvidos de Orfeu. Ele tentou seguí-la, e procurou permissão para voltar e tentar outra vez libertá-la, mas o rude barqueiro repeliu-o e recusou passagem. Orfeu deixou-se ficar à margem do lago durante sete dias, sem comer nem dormir; depois, amargamente acusando de crueldade as divindades do Érebo, cantou seus lamentos aos rochedos e às montanhas, abrandando o coração dos tigres e afastando os carvalhos de seus lugares. Manteve-se alheio às outras mulheres, constantemente entregue à lembrança de seu infortúnio. As donzelas trácias fizeram tudo para seduzí-lo, mas ele as repeliu. Elas o perseguiram enquanto puderam, mas, vendo-o insensível, certo dia, excitada pelos ritos de Dionísio (*Baco*), uma delas exclamou: "Ali está aquele que nos despreza!" e lançou-lhe seu dardo. A arma, mal chegou ao alcance do som da lira de Orfeu, caiu inerme aos seus pés. O mesmo aconteceu com as pedras que lhe foram atiradas. As mulheres, porém, com sua gritaria, abafaram o som da música e Orfeu foi então atingido e, dentro em pouco, os projéteis estavam manchados de seu sangue. As furiosas mulheres despedaçaram o vate e atiraram sua lira e sua cabeça ao Rio Orfeu, pelo qual desceram ainda tocando e cantando a triste música, à qual as margens do rio respondiam com plangente sinfonia. As Musas ajuntaram os fragmentos do corpo de Orfeu e os enterraram em Limetra, onde, segundo se diz, o rouxinol canta sobre seu túmulo mais suavemente que em qualquer outra parte da Grécia. A lira foi colocada por Zeus entre as estrêlas. A sombra do vate entrou, pela segunda vez, no Tártaro, onde procurou sua Eurídice e a tomou, freneticamente, nos braços. Os dois passearam pelos campos venturosos, juntos agora, indo ele, às vezes, na frente, às vezes ela, e Orfeu a contemplava tanto quanto queria, sem ser castigado por um olhar descuidado.
Da história de Orfeu, Pope tirou um exemplo do poder da música, em sua "Ode ao Dia de Santa Cecília". A estrofe seguinte relata a conclusão da história:
Muito cedo, porém, volve os olhos Orfeu
E de novo ela cai, e de novo morreu!
Como conseguirá as três Parcas domar?
Crime não houve teu, se não é crime amar.
E, agora, debruçado sobre os montes,
Junto à água das fontes
Ou onde o Hebro abre seu caminho
Orfeu chora sozinho
E, em luto e pranto, invoca a alma querida,
Para sempre perdida!
Agora, todo em fogo, clama, ardente,
Sobre a neve do Ródope imponente,
E ei-lo, furioso como o vento, voa
E, em torno, o ardor da bacanal ressoa.
Está morrendo, vede, e a amada canta,
Seu nome vem-lhe aos lábios, à garganta,
"Eurídice", a palavra derradeira.
"Eurídice", dizem as matas,
"Eurídice", as cascatas,
Repete o nome a natureza inteira."
"Orfeu e Eurídice" de Thomas Bulfinch, em O LIVRO DE OURO DA MITOLOGIA,
Ediouro, 2000.
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